A Bíblia apresenta diversas leis, com destaque para a lei de Deus -
constituída por Dez Mandamentos estritamente morais e escritos em duas tábuas
de pedra. As demais, foram agrupadas em um livro e disciplinam diversos assuntos.
E esta questão básica não é compreendida pela maioria dos cristãos, ocasionando
inúmeras contradições e severos erros doutrinários.
Na lei de Deus (Romanos 7:22; Romanos 8:7), conhecida também como a
"lei da Liberdade", "lei Perfeita", "lei Régia"
ou "lei Real" (Tiago 1:25 cf. Salmos 19:7; Tiago 2:8), não existe
orientações sobre alimentação, higiene, procedimentos litúrgicos, processos
jurídicos, penais e etc; nela, encontra-se unicamente princípios morais e
éticos universais reunidos em dez preceitos escritos diretamente por Deus, e os
quais são usados como norma de justiça em Seu juízo(a).1
Após proclamar Sua lei no monte Sinai, Deus orientou Moisés a escrever
um livro contendo diversas leis civis, levíticas, sanitárias, tributárias,
militares, judiciais, e etc. (Êxodo 24:1-7 cf. Deuteronômio 4:13-14,
Deuteronômio 31:24-26). E este livro é identificado como: livro de Moisés,
livro da Aliança, livro da Lei, livro da lei de Moisés e, lei de Moisés.2
Embora Moisés tenha sido o responsável por escrevê-lo, os israelitas tinham
plena convicção de que todas as suas instruções eram provenientes de Deus, e
isso os motivaram a chamá-lo também de: "livro da lei do Senhor" e
"livro da lei de Deus".3 Assim, por este meio literário, a nação
israelita obtinha direcionamento tanto nas questões políticas-administrativas
quanto nas questões religiosas. Nota-se ainda que o seu vasto conteúdo guiava,
direta ou indiretamente, os israelitas aos princípios exigidos pela lei de Deus
(Dez Mandamentos). Deste modo, eles poderiam aprender, vivenciar e ensinar os
propósitos de Deus para a humanidade.4
Deve-se observar também que, apesar de Moisés ter transcrito a lei de
Deus para o mencionado livro, isso não significa que ela passou a ser
considerada de mesma finalidade, importância e validade em relação as demais.
Ele tão somente transcreveu o conteúdo desta lei que, após a sua entrega,
passou a ser guardada dentro da arca da aliança;5 e o acesso às duas tábuas de
pedra que formavam a lei de Deus era extremamente restrito devido a santidade
delas e do local onde estavam alojadas. Então, para que a nação tivesse a sua
disposição uma leitura fiel dos Dez Mandamentos, Deus ordenara que Moisés os
transcrevessem para o livro.
Preceitos temporários e perpétuos
A lei de Deus é a base da lei de Moisés. Todos os preceitos morais da
lei mosaica estão fundamentados na lei de Deus; várias leis civis presentes na
lei de Moisés são norteadas também pelos princípios de justiça que a lei de
Deus estabelece. O respeito pelo o que é santo, e a dedicação nos serviços
cerimoniais que eram exercidos no santuário terrestre, não teriam sentido algum
se a lei de Deus não distinguisse e condenasse o pecado.6 Excluindo-se os Dez
Mandamentos defendidos por esta lei, automaticamente extingui-se tudo aquilo
que conduz a uma vida de retidão. Estes são alguns dos motivos pelas quais as
duas tábuas de pedra estavam guardadas exclusivamente dentro da arca da aliança
e nenhum outro sistema legislativo encontrava-se ali.
Sobre as orientações contidas na lei de Moisés, várias normas
cerimoniais (especialmente aquelas que simbolizavam a Cristo e Seu sacrifício)
cessaram na cruz do Calvário.7 Diferentemente, isso não ocorre com as normas
morais e éticas presentes na lei de Moisés que procedem da lei de Deus, como por
exemplo, as registradas em Êxodo 23:1-9; Levítico capítulo 18 e, Levítico
19:13-18. Igualmente, permanece as leis sobre saúde (ex.: Levítico capítulo 11)
e alguns princípios jurídicos (observando os procedimentos atuais e locais).8
No geral, ao analisar a lei de Moisés, deve-se observar quais orientações são
aplicáveis na nova aliança, e destas, quais são de aplicabilidade universal,
pois existem instruções destinadas exclusivamente ao povo de Israel.
A enorme confusão que assola o cristianismo em relação ao tema
"lei", decorre do desprezo dessas questões básicas e essenciais. O
uso da palavra "lei" na Bíblia é diversificado e complexo, não se
obtém o verdadeiro entendimento, em cada caso, isolando versos de seus
respectivos contextos. A falta de discernimento e de interesse sobre esses
assuntos vem acarretando deturpadas interpretações bíblicas, e de maneira mais
acentuada nos escritos do apóstolo Paulo.
As Escrituras relatam que alguns judeus convertidos ao cristianismo
defendiam que as práticas cerimoniais da lei de Moisés, que tinham perdido
utilidade na nova aliança, fossem seguidas(b). E esta situação conduziu Paulo a
rebatê-los, o que proporcionou diversos conflitos, como àqueles registrados em
II Coríntios capítulo 3; Gálatas capítulo 2 e Colossenses capítulo 2. Motivado
por estes transtornos, Paulo foi impulsionado a dizer aos gálatas:
"Sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim
mediante a fé em Cristo Jesus (...)" (Gálatas 2:16 RA cf. Gálatas 3:11). E
censurou-os dizendo: "Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é
mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão." (Gálatas 2:21 RA). Ele
demonstrava que seguir as prescrições cerimoniais da lei de Moisés pertinentes
a antiga aliança, sobretudo aquelas que representavam o sacrifício de Cristo,
era desprezar o Seu sangue ofertado para perdoar os pecados; era anular a Sua
graça.
Diferentemente do ocorrido nas igrejas de Corinto, Galácia e Colossos,
Paulo não teve esses problemas nas igrejas de Roma. Aos romanos ele exortava
referindo-se não as ordenanças da lei de Moisés que expiraram com a nova
aliança, mas, aos mandamentos da lei de Deus: "Porque os simples ouvidores
da lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser
justificados."(c) (Romanos 2:13 RA cf. Isaías 51:4-5). "Anulamos,
pois, a lei pela fé? Não, de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei."
(Romanos 3:31 RA). Claramente nota-se a exorbitante diferença entre Romanos
2:13 e Gálatas 2:16.
O apóstolo Pedro, responsável pelo ensino do evangelho aos judeus,
após ser alertado por Paulo a não permitir que as errôneas doutrinas dos
cristãos judaizantes fossem mantidas (Gálatas 2:11-14), escreveu a seguinte
exortação:
"(...) e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como
igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe
foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em
todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que
os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras,
para a própria destruição deles." (II Pedro 3:14-16 RA).
E o próprio Paulo auxilia a esclarecer quais preceitos estão atuantes
e quais foram revogados ao dizer: "Foi alguém chamado sendo já circunciso?
Não desfaça a sua circuncisão. Foi alguém chamado sendo incircunciso? Não se
circuncide. A circuncisão não significa nada, e a incircuncisão também nada é;
o que importa é obedecer aos mandamentos de Deus." (I Coríntios 7:18-19
NVI). E a circuncisão é um procedimento descrito na lei de Moisés, apesar de
ter sido instituída na época de Abraão (Gênesis 21:4; Atos 7:8), enquanto os
mandamentos de Deus que Paulo exorta para serem obedecidos encontram-se nas
duas tábuas de pedra (cf. Romanos 13:8-10).
A lei de Deus é distinta por: ter sido pronunciada e escrita pelo
próprio Criador; ter sido guardada dentro da arca da aliança; pela função de
revelar o pecado; e, por ser constituída unicamente de mandamentos morais,
todos inalteráveis, inseparáveis, infindáveis e universais.9 Enquanto a lei de
Moisés caracteriza-se por: ter sido divulgada e escrita pelo profeta Moisés;
ter sido depositada ao lado da arca da aliança; pelas prescrições de ofertas
por causa do pecado; e, por possuir mandamentos variados, restritos e
temporais.
Pode-se destacar ainda que a lei de Deus existia antes da queda do
homem(d) (cf. Romanos 4:15), e não possui regras punitivas para os seus
transgressores. Por sua vez, a lei de Moisés foi estabelecida após a entrada do
pecado neste mundo, e contém normas penais que foram seguidas até a época de
reforma.10 Antes do sacrifício de Cristo, aquele que aceitasse o pacto da
antiga aliança e, posteriormente, violasse as ordenanças contidas na lei de
Moisés e/ou transgredisse os mandamentos da lei de Deus era punido de forma
imediata, e em alguns casos com a morte, dependendo do crime.
Embora os procedimentos penais da antiga aliança estejam
invalidados(e), isso não significa que a lei de Deus, reafirmada na nova
aliança (Hebreus 8:10-13; Hebreus 10:15-17 cf. Mateus 5:17-19), perdera valor e
que, as transgressões cometidas contra ela não sofrerão o devido castigo.
Pecado continua sendo transgressão contra a lei de Deus, e cada infração não
perdoada(f) será punida quando Cristo retornar; Ele retribuirá a cada um
conforme as suas obras (Apocalipse 22:10-15; Hebreus 4:12-13).
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